SIC, ruínas de uma fábrica


Aquilo que resta da SIC, orgulho da Azinhaga, que durante décadas fez desta terra algo de especial, está de novo em hasta pública. Para nosso desconsolo, a aventura industrial da Azinhaga, até agora sem brilho nem glória, continua à espera de um final (não tão in)feliz.

A SIC, de Sociedade Industrial de Concentrados, nasceu do sonho de um reformado da Embaixada Italiana, Luigi Fontanarosa, que em associação com José Rodrigues Serrano, passou de uma actividade artesanal para uma das melhores e mais modernas fábricas do ramo em Portugal. Estava-se em 1944.

Admite-se que a indústria de tomate se iniciou em Portugal em 1938, com a criação da SPALIL, na Chamusca. A Vasco & Ferreira, em Riachos foi a segunda e depois entre 1943 e 1946, surgiram a SIC e a IDAL, entre outras. Nesta altura, utilizava-se a variedade "coração-de-boi" que apresentava um fraco rendimento industrial. A partir de 1959 e até 1965 abrem novas unidades. Passam a utilizar-se novas variedades de tomate, como a "Roma", de rendimento industrial substancialmente maior. Até 1970, estavam instaladas e em laboração 31 fábricas.

Durante décadas a fábrica modificou por completo a vida e a economia local. Os campos da Golegã, e não só, foram fonte de riqueza. Até 1974. A partir desse ano o futuro da unidade fabril adivinhou-se difícil. Os difíceis momentos do período pós-revolucionário dificilmente explicam tudo.

O ano de 1975, marca de facto o início da crise desta indústria: A Grécia e Itália, graças à política proteccionista da CEE, desenvolvem extraordinariamente a sua indústria e ganham mercados que tradicionalmente eram portugueses. Em 1985 já só existiam 27 empresas, e em 1991, 21 fábricas resistiam ainda. A SIC pouco mais resistiu.



Em 2013, existem 8 empresas, num total de 9 fábricas, a laborar nesta actividade. Nunca se produziu e vendeu tanto concentrado de tomate como agora e repare-se nos seguintes números e factos:

• Portugal é o único país do mundo que exporta a quase totalidade da sua produção (95%);
• Portugal conquistou, em 2012, o quarto lugar de maior exportador internacional de tomate transformado, ultrapassando a Espanha, situando-se a seguir à China, EUA e Itália;
• Portugal é o segundo maior exportador europeu, atrás da Itália;
• As exportações portuguesas representam 19,8 por cento do total das exportações europeias;
• O total de 1.290.000 toneladas processadas no nosso país na campanha de 2012, representa um volume de negócios superior a 265 milhões de euros, dos quais 250 milhões em exportação;
• O país apresenta um crescimento médio anual nos últimos 22 anos de 5,1%;
• A campanha de 2013, por força das condicionantes impostas pelas chuvas tardias já em plena época de preparação de terras e plantação, ficou-se pelos 82% do objectivo para este não, que era de cerca de 1.134 toneladas, segundo a Associação dos Industriais de Tomate;
• Portugal regista uma produtividade média de 90 toneladas por hectare - a maior da Europa e a terceira mais elevada do mundo;
• A Europa permanece como o principal destino da produção nacional da indústria do tomate;
• A indústria apresenta-se como uma importante empregadora nas zonas rurais, representando 6.000 postos de trabalho diretos e indiretos;
• A aposta na inovação e na tecnologia é uma das principais razões para o bom desempenho do setor industrial do tomate em Portugal, que investiu 60 milhões de euros nos últimos 10 anos;

E foi sobretudo aqui que a SIC falhou, mesmo sendo claro que a SIC tinha futuro: situada no coração de uma das regiões emblemáticas do País no que diz respeito à produção de tomate de qualidade superior, com os campos às suas portas, a SIC, tivesse sido gerida com profissionalismo, com eficiência, com visão estratégica, investindo em novos equipamentos e procurando conquistar outros mercados... e integraria talvez hoje este grupo restrito de empresas que sobreviveram.

Mais facilmente se explica a falência por descuidada gestão, que não soube acompanhar as evoluções tecnológicas, que não soube aplicar os lucros, se os havia, na modernização da fábrica, que se prendeu a mercados tradicionais e olvidou outros, emergentes e com outras exigências. Gestão danosa? Sem dúvida, como o provam os episódios que se viveram nos últimos anos de laboração da SIC, em que chegou a estar associada ao escândalo, fraude, da ECRIL, unidade similar situada em Vila Franca de Xira. Fraude que privou inúmeros agricultores de receberem o que lhes era devido (havendo notícia de suícidios) e que prejudicou o Estado e a Comunidade Europeia em largos milhares de contos de subsídios à produção de tomate, que nunca chegaram ao seu destino...

Ficaram na memória colectiva dos azinhaguenses, as míticas "campanhas do tomate", nos meses de Verão, em que a fábrica empregava centenas de pessoas, que vinham um pouco de todo o território vizinho, até do Alentejo. Na década de 80, rapazes e raparigas do concelho, em período de férias escolares aqui passavam esses meses, auferindo um salário que lhes permitia auxiliar ou aliviar os seus pais dos encargos da sua educação. Os campos e as estradas fervilhavam de actividade, o odor do tomate invadia a povoação.

Ficaram também na memória os dias de desespero que se seguiram ao encerramento definitivo da fábrica. O medo do futuro, a raiva dos homens que na fábrica tinham aprendido o ofício e se encontravam agora sem sustento e sem possibilidades de fazerem aquilo que sabiam fazer, que apenas e só tinham feito, em vinte, trinta ou quarenta anos de trabalho. A fúria contra quem deixou cair displicentemente a jóia da nossa terra. A sombra abateu-se sobre a Azinhaga e pode dizer-se que só muito lentamente, se foi levantando. Relembre-se que só em 2007 foram recebidos os salários em atraso...

Os anos foram passando e de vez em quando, olhada com descrédito pelos mais avisados, surge uma notícia da "ressuscitação" da velha SIC: ora para dar abrigo a uma fábrica de cerveja (que entretanto foi para Santarém, dizem), ora para estabelecimento de uma actividade logística (como se alguém em seu perfeito juízo viesse instalar tal actividade numa povoação servida por uma estrada que tem o costume típico de ficar submersa durante semanas ou meses em Invernos mais agrestes) ou para muito propagandeados e inevitavelmente irrealistas projectos de loteamento urbano, que implicariam a descaracterização deste espaço como industrial (como se muito existisse na freguesia e no concelho).

Mas afinal, há quase duas décadas que não passa de um gigantesco ninho de ratos, com uns equídeos vagueando por entre as cada vez mais desoladoras ruínas.

E está regularmente à venda... por dívidas fiscais e outras que tais da empresa que é aparentemente sua proprietária…

Quando será que este espinho cravado dolorosamente na nossa memória é arrancado? Quando será que a velha SIC, o seu espaço, volta a renascer para a Azinhaga do século 21? Mas num Concelho que não considerou até agora como prioridades a captação de investimento e o reforço do seu tecido económico local, da sua indústria concretamente, receamos que tudo continue na mesma.

E o mesmo está expresso nas fotos que se seguem...

Texto e vídeo retirado de página do facebook SIC - In memoriam.

Veja também como era o tempo de funcionamento da fábrica clique aqui

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