Rancho dos Campinos de Azinhaga

Em Dezembro de 1951, representantes da Junta da Província do Ribatejo e do instituto Nacional do Trabalho, de Santarém, contactaram, em Lisboa, A.S.B. para organizar, em Azinhaga, um conjunto de folclore que representasse o Ribatejo no documentário "Tejo, Estrada que Anda" que a "NODO", de Espanha, rodava a partir da nascente, na serra de Albarracim, até à sua foz.
 
A Província possuía um valioso património artístico e monumental, uma vida agrícola fértil e próspera, uma etnografia em fase de extinção, mas, mesmo assim, farta.
 
Perdera, no entanto, a singularidade ímpar do seu folclore que se limitava, de longe em longe, a um outro pobre e infeliz apontamento.

Por tudo isto, foi o convite dirigido às gentes de Azinhaga, por aquelas entidades, ainda recordadas quão honradamente haviam representado o Ribatejo, em 1938, no "Concurso da Aldeia Mais Portuguesa de Portugal".

Para o que fora proposto, A.S.B. contactou Francisco Castelo, então presidente da Casa do Povo local, no sentido do Organismo se associar na formação do grupo, o que desde logo, foi aceite com entusiasmo.

Como as filmagens estivessem para breve, levou-se todo o mês de Janeiro de 1952 em recolhas possíveis, e em ensaios constantes, aos quais deu a sua preciosa colaboração mestre Francisco Valério que, apesar da sua idade, continuava a ser um extraordinário bailador.

Em meados de Fevereiro seguinte, a equipa cinematográfica espanhola, chefiada pelo realizador Juan Manuel-de la Chica Pallin, vem a Azinhaga para filmar a atuação do conjunto, que não rancho por razões óbvias para quem sabe um poucachinho de folclore.

Locais escolhidos na freguesia, acontece que, viajando de Santarém, encontraram a alverca de Fernão Leite, no Pombalinho, que, à época, era um lindura, com as suas águas mansas, a sua lezíria, as suas árvores frondosas, a sua velha ponte de madeira com guardas de bonito ferro forjado. (E porque não recuperá-la?). Encantados, escolheram-na para cenário das filmagens. Só que o pessoal do grupo, dando voz ao seu bairrismo costumado, negou deslocar-se. Que sítios com interesse também havia na sua freguesia... Enfim, as discussões habituais que não conduzem a lado nenhum. Até que os espanhóis, olhando a ruralidade típica da aldeia, valiosa para ótimas imagens, repentistas propuseram: se as pessoas aceitassem ir, naquele dia, dançar à Alverca de Fernão Leite, eles, espanhóis, garantiram vir propositadamente filmar o conjunto, no enquadramento singular da sua terra. 

Acreditaram e, mesmo a contragosto, foram. Fizeram sucesso.
Como, pela palavra dada, se pensasse que voltariam em princípios, meados de Abril, houve a necessidade premente d se continuarem as recolhas e de se prosseguirem, com mais afã e nova técnica, os trabalhosos ensaios. Fizeram-se, então, outras opções no recrutamento dos pares.

Mas, face a uma realidade que, pelo condicionalismos naturais, nunca havia sido considerada, o Dr. Carlos Fagulha, presidente do INT, de Santarém, propõe a A.S.B., que dirigia o agrupamento, conseguir fundos para a criação de um rancho, descendente próximo do grupo que bailara na Alverca de Fernão Leite e remoto daquele que, em 18 de Setembro de 1938, atuara no Concurso da Aldeia Mais Portuguesa. Destes e só destes, se o for.

Os ensaios adiantam-se, ao mesmo tempo que se tem consciência do que se irá fazer na recolha das danças, músicas, versos e trajos, que as costureiras, Elvira dos Reis, Albana e Maria Amélia Faria, Raquel de Jesus... e os alfaiates, José Alves e Fernando Amaral, já estavam a confecionar.

 
De importância, ainda, as colaborações de José dos Reis, Ludgero Gonçalves, Francisco Castelo (que viria a formar com Vítor da Guia uma das mais afamadas parelhas de fandanguistas), Francisco Valério, António Rufino, Anita Tojinha, Maria Pinto, Justa dos Reis, Gertrudes Sereno e Palmira Catarino.
 
Subsidiado pela FNAT, devido a informação do Prof. Doutor Mário de Albuquerque que o observa, pela Casa do Povo e, mais tarde, pelo produto das récitas realizadas pelo seu Grupo Cénico, conseguiu-se a verba necessária para a aquisição total da vestimenta e dos sapatos, manuseados por Francisco Carreira, Ludgero e José Gonçalves.

Entretanto, entusiasmo com o potencial telúrico das suas danças, assentes sobre melodias de ingénuo e suave encanto, os espanhóis voltam, de facto, em Abril para firmarem para o "Jornal de Atualidades da NODO", então muito em voga, novo documentário, apenas e só, como prometido, sobre Azinhaga, sua gente e suas coisas, tendo como base uma mais detalhada atuação do agrupamento. 

Regressam ainda, mais duas vezes, uma para sequências do Rancho na Feira de S. Martinho, na Golegã, e outra para imagens da vacada e da coudelaria da Casa Coimbra, enquanto, tempo depois, o documentário "Tejo, Estrada que Anda", se estreia no cinema S. Luís, de Lisboa. Neste entremeio, reproduzem.se os trajos existentes em Azinhaga nos meados da época romântica.
 
As moças vestem de ceifeiras endomingadas: lenços azuis e vermelhos, às ramagens amarelas, atados sobre a cabeça com laços abertos, graciosos, a que chamam orelhas; casacos de rabo-de-pavão, de piquê de algodão, com debruns de renda nas golas altas, de ambos os lados das carcelas, nos punhos e nas abas; saias de lã encarnadas e azuis, de dois, três panos, com duas barras de veludo ou cetim preto, aventais brancos, grande, com bordados e entremeios; meias lisas, de algodão branco, atadas sob os joelhos; e sapatos de meio salto, de calfe preto ou vitela encebada, atacados, de baixo para cima, com fitas azuis.


Os bailadores trajam de campinos: barretes verdes, de carapinha encarnada, entre os quais sobressai um azul, também de orla encarnada, usado pelo maioral-mor dos toiros que, por sê-lo, era conhecido por maioral-real; camisas brancas de paninho, ou até linho, de grandes colarinhos, atacados com cordões vermelhos e bordados, como nos ombros, nos punhos e nas carcelas, com corações e outros motivos, a azul e encarnado, a ponto de cruz, ponto espinha e pé de flor, coletes vermelhos, com botões de metal branco ou madrepérola, e debruados com fita de cetim preto nas costas e sobre os bolsos; jalecas e calções, de lã azul escura, com fileiras de botões brancos, de metal, nas frentes e na parte lateral das pernas, um pouco acima dos joelhos; cintas encarnadas, a que houve o cuidado de esconder os cadilhos; meias brancas, de algodão, ricamente bordadas, presas, abaixo dos joelhos, com ligas com fivelas de metal ou fitas rubras de cujos laços apenas se mostram nas pontas sob as dobras do canhão de preciosos rendados; sapatos, de calfe preto ou vitela encebada, de salto de prateleira, atados com atacadores vermelhos, de cima para baixo, com os laços quase na ponta do pé; usam esporas à portuguesa, só no pé direito, salvo o maioral-real que as põe em ambos.

Na tocata, uns músicos vestem campino; outros de pequenos lavradores, com chapéus de feltro preto, de copa e abas redondas, com uma borla do lado esquerdo; camisas brancas de colarinho redondo, apertado com dois botões de madrepérola; jalecas, coletes, e calças de sorrubeco; e sapatos pretos de salto de prateleira, com ou sem duas esporas à portuguesa; talqualmente, os grandes proprietários, cujo corte é mais apurado, nas camisas nos coletes e jalecas de veludo verde, azul, grenat... debroadas ou não com veludo preto, e nas calças de fazenda escura, abrindo um tanto sobre os pés.

Nos porta-guiões, o homem usa barrete verde, camisa de riscado azul, sem colarinho, mas com peitilho e pestana, e jaleca, colete e calções de sorrubeco, meias lisas castanhas ou azuis e sapatos de vitela encebada, correspondentes ao traje de trabalho dos campinos, na mesma época, as moças, em regra duas, de cabeça descoberta e cabelos caídos, vestem blusas, saias de paninho e meias até ao joelho, tudo branco, sapatos de meio salto, com presilha, simbolizam as virgens que seguravam as fitas dos pendões aquando do desfile das adiafas.

As principais danças do grupo, que nas suas primeiras temporadas usou o nome de Rancho dos Campinos da Casa do Povo de Azinhaga, são: modas de roda, fadinhos, bailaricos, verde-gaios, viras (de roda, de quatro e de seis), moda dos dois passos e fandango.

Mais tarde, e por razões que nos parecem de respeitar, passou a chamar-se, apenas, Rancho dos Campinos de Azinhaga, parte inicial do primeiro verso do segundo terceto do soneto "Azinhaga", de Gustavo Matos Sequeira:

"Campinos d´Azinhaga... ei-los, lá vêm,
Bendita a terra que criou tais filhos,
Felizes filhos que tal madre têm!"

Cerca de quarenta anos depois, com a extinção da Casa do Povo, de bom nome pelo passado ao serviço da comunidade, na doença, nas crises, na velhice e, ainda, na dinânica conseguida na reinvenção da cultura e do recreio populares, o Rancho torna-se associação autónoma por escritura de 20 de Novembro de 1992, lavrada no Cartório Notarial da Golegã.

Não sendo possível nomear, um a um, os seus mais de 400 componentes em 43 épocas decorridas, não queremos, pelo que se lhes deve, ignorar as famílias a que pertenceram e, felizmente pertencem: Almirante, Amaral, Bagorro, Bento, Bispo, Borges, Cardoso, Carrasqueiro, Carvalho, Castelo, Catarino, Coimbra, Correia, Costa, Cunha, Dinis, Duarte, Esteireiro, Fairaça, Faria, Felício, Ferreira, Figueiredo, Galrinho, Gardão, Gaspar, Gonçalves, Gouveia, Jorge, Légua, Lobo, Lopes, Lourenço, Marcelino, Marques, Melrinho, Mendes, Miguel, Mota, Moura, Narciso, Nunes, Oliveira, Pedro, Pereira, Petinga, Pires, Pombo, Reis, Rodrigues, Romão, Rufino, Sá, Santos, Sereno, Silva, Simões, Toito, Valadares, Vale, Valério, Vieira e Vitorino.

Entretanto, o agrupamento estreou-se em Lisboa no dia 15 de Abril de 1952, no "Serão Cultural e Recreativo nº516, da FNAT, realizado no Liceu Pedro Nunes, dedicado ao Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem e às Enfermeiras de várias nacionalidades que se encontram em Portugal em visita de estudo" (do programa). Este sarau foi transmitido em direto, pela antiga Emissora Nacional, com locução de Mário Simões.

Foi o Primeiro Rancho que atuou, com enorme sucesso na II Feira do Ribatejo, em Santarém, tendo, a partir dessa data, funcionado como impulsionador do surgimento de novos grupos em todos os quadrantes da Região.

Ao longo dos anos, o Rancho dos Campinos de Azinhaga, que viria a ser sócio fundador da Federação do Folclore Português, apresentou-se "em tudo quanto é sítio", sendo de destacar, na impossibilidade de as contar, além de um ror de festivais, nacionais e internacionais, a sua presença na Golegã, Chamusca, Cartaxo, Azambuja, Vila Franca de Xira, Coruche, Salvaterra de Magos, Almeirim, Benfica do Ribatejo, Entroncamento, Barquinha, Torres Novas, Vila Nova de Ourém, Abrantes, Tomar, Santarém, Alvaiázere, Mira, Vila da Feira, Portalegre, Évora, Carreço, Meadela, Santa Marta de Portuzelo, Ovar, Figueira da Foz, ílhavo, Póvoa de Varzim, Braga, Vila Franca do Lima, Monção, Paço de Arcos, Oeiras, Caparica, Palmela, Gouveia, Manteigas, Vila Nova de Tazém, Alcoutim, Silves, Aveiro, Águeda, Moita do Ribatejo e mais, mais, muitas mais. Tanta que nem é possível enumerá-las.

Destacam-se, no entanto, as suas atuações em Braga na inauguração do já afamado Palácio de D. Chica, onde se encontrou a nata do folclore nacional, em Coimbra pela Queima das Fitas, em Castelo Branco, integrado numa embaixada cultural de Santarém, em Viana do Castelo, onde, a convite do Dr. Sousa Gomes, desfilou, pelas Festas de Senhora da Agonia, intercalado com o Rancho de Santa Marta de Portuzelo, nas Feiras do Artesanato do Estoril e em Cascais, na Feira Popular de Lisboa, numa das vezes, em três dias consecutivos, na Feira das Indústrias, nas Festas da Cidade de Lisboa, na Praça do Campo Pequeno, em Belém e no Teatro Maria Matos, na Festa dos Campeões no Estádio da Luz, na 1ª Feira de História, organizada pela Sociedade Portuguesa de Estudos do Sec. XVIII, no Casino do Estoril por sete vezes, uma das quais no grande salão-restaurante no jantar de gala de encerramento da "Semana do Cinema Francês", num espetáculo dirigido pelo ato Erico Braga e, na TV, em direto de festivais e nos estúdios de Lisboa e do Porto.

Exibiu-se, ainda, em Espanha, e na Bélgica, a última das quais, através de "Arte e Empresa", na "Europália/Portugal, 91", no espetáculo "Festa de Rua", de Filipe la Féria, em Antuérpia, Namur e Bruxelas, com grande êxito. Foi apresentado, como no espetáculo inaugural que se realizou em Belém, tal-qual os restantes seis agrupamentos, pelos atores Lídia Franco, João d´Avila e Fernando Heitor.
 
Ainda, em representação de Portugal, atuou com agrado geral, em Sevilha, na Expo/92.
Apresentou-se também, n´ "A Grande Noite", de La Féria, em espetáculo transmitido pela TV, do teatro "Variedades", que mereceu de António Cacho, o seguinte comentário, publicado no "Correio do Ribatejo", de 4 de Junho de 1993: "De repente o pequeno écran da TV explodiu de cor, de movimentos em ritmos agitados por uma força telúrica a contrastar, naturalmente, com a fantasia que seguia outras fantasias, em que a luz dos holofotes e a roupagem dos atores, atentamente preparados, davam expressão.
 

Músicas daqui ao pé da porta embalavam um grupo de rapazes e raparigas no espetáculo "A Grande Noite", desta última 5ª feira.

O Rancho dos Campinos de Azinhaga, seus componentes trajados a rigor, bem aprumados e escorreitos, levou ao teatrinho do Parque Mayer, um pouco das lezírias e das tradições do Ribatejo. E todos ganharam fartos aplausos, bem merecidos pela autenticidade das suas intervenções e o grande empenho de o conseguirem.

La Féria que dirige com entusiasmo a evocação de uma época que já vai distante, lembrando figuras que tanto enriqueceram o espetáculo tão querido da revista, procura recrear, de cada vez essa gostosa e aprazível representação, com inovações e intervenções que afinal bem se coadunam com o objeto proposto. E convidou o simpático e muito prestigiado representante do folclore ribatejano.

O Rancho abriu o quadro com a moda de roda "A Borboleta", bem típica e do pleno agrado da gente de Azinhaga e depois exibiu-se em dois apontamentos, também muito ricos do folclore de Borda d´Água, com o "Vira de Azinhaga" e "Fadinho Batido".
 
O momento alto da intervenção deste categorizado agrupamento teve a presença do cantor/intelectual Sérgio Godinho - trajado jaqueta preta com alamares - que recitou o poema "Sinfonia do Ribatejo", musicado pelo maestro João Nobre, enquanto os fandanguistas Mário Feijão e Fernando Marques se exibiam no "Fandango" com a vibração, a agilidade e a força que esta dança requer. 

"No Fandango é que vejo 
 A cor do meu Ribatejo..."

In - Azinhaga Livro de Horas, Augusto do Souto Barreiros

Comentários

  1. Festival de folclore em azinhaga???? nunca tal ouvi! NA AZINHAGA!

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