No ano letivo de 1995/96 a turma do 6° B da Escola C+S da Golegã (hoje Escola Mestre Martins Correia) escolheu como tema da Área-Escola "Factos e Personalidades do Concelho da Golegã". Fizeram, então, uma lista das pessoas que marcavam na altura, por razões diversas, a vida do concelho. De entre as personalidades, era forçoso começar pela pessoa que mais projecção internacional tinha na altura no mundo das letras, a cuja obra, reconhecida cá e no estrangeiro, tinham sido atribuídos diversos e significativos prémios: o escritor José Saramago, natural da Azinhaga. Depois de conversarem um pouco sobre a sua obra e de lerem passagens de alguns livros nas aulas de Português, a Filipa, a Mariana e o Pedro Miguel pensaram nalgumas perguntas que gostariam de fazer a José Saramago, e escreveram-lhe. Foi com grande alegria que viram chegar a resposta na volta do correio. Sabendo do muito fazer e viajar do escritor, apreciaram duplamente esta pronta resposta (não teremos qualquer coisa a aprender com este gesto?...).
São estas cartas (publicadas no jornal de escola ENCONTRO – Edição de Março de 1996) que a seguir se transcrevem:
São estas cartas (publicadas no jornal de escola ENCONTRO – Edição de Março de 1996) que a seguir se transcrevem:
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Carta dos alunos a José Saramago
Caro José Saramago
Nós somos três alunos do 6° B: a Mariana a Filipa e o Pedro Miguel, da Escola C+S da Golegã. Nós, a Mariana e a Filipa somos da Golegã, e eu, o Pedro Miguel, sou da Azinhaga. Escolhemos como tema da Área-Escola - "Factos e Personalidades do Concelho da Golegã" e como o senhor nasceu na Azinhaga e é mundialmente conhecido, achamos interessante estudar a sua pessoa. O senhor é a personalidade mais famosa do concelho. Numa das aulas de Português a nossa professora leu-nos um excerto de um dos "Cadernos de Lanzarote" e ficamos a saber donde vem afinal o nome de Saramago!... Do livro "Viagem a Portugal" também leu a passagem que se refere ao nosso concelho. Eu, Pedro Miguel, conheço vários sítios de que fala no seu livro.
Gostávamos que nos respondesse a estas perguntas que enviamos...e desde já obrigada!...
Um grande abraço de nós três."
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Respostas de José Saramago
Alunos: Orgulha-se de ser da Azinhaga? Porquê?
Saramago: Nós não escolhemos o sítio onde nascemos, portanto não pode haver sentimentos de orgulho motivados por nascer aqui ou ali. Mas é certo que a Azinhaga me deu o que Lisboa não me poderia dar nunca: os campos, os olivais, a lezíria, o Rio Almonda daquele tempo (não o de hoje, que é uma esterqueira), o Tejo e as marachas, os porcos que o meu Jerónimo guardava, os passeios de barco, as manhãs à pesca, os banhos. Lembro-me de quando ainda não havia electricidade e as noites eram negras. E lembro-me do luar como não tornei a ver outro igual. O meu sentimento, portanto, não é de orgulho, mas de felicidade por ter tido uma infância que começou a aprender assim a vida.
Alunos: Com que idade foi para Lisboa?
Saramago: A minha infância foi tranquila, apenas no sentido de eu ter sido sempre uma criança sossegada. Mas a minha família era de gente pobre, e foram as dificuldades económicas que decidiram os meus pais a emigrar para Lisboa, tinha eu então dois anos. Os primeiros anos foram muito difíceis, mudamos muitas vezes de casa ( vivíamos em quartos), e foi só quando eu tinha 7 ou 8 anos que as coisas começaram a melhorar. Mas só começamos a viver em casa própria por altura dos meus 13 ou 14 anos. E a Azinhaga? Todas as férias, grandes ou pequenas, as passei lá, até quando já era adolescente.
Alunos: Em 1975 porque escolheu o titulo "Levantado do Chão"?
Saramago: Esse livro conta a história de uma família de camponeses sem terra, durante três gerações. São alentejanos como podiam ter sido ribatejanos. E se lhe chamei Levantado do Chão foi para mostrar que tudo se levanta da terra, as árvores, as searas; as casas, e também as pessoas quando lutam pela sua dignidade.
Alunos: Com que idade se apaixonou pela literatura?
Saramago: Dizer paixão pela literatura é o mesmo que dizer paixão pela leitura. Ninguém pode ser escritor se não começou por ser leitor. Esta, sim, é a verdadeira paixão. No meu caso, que não tinha livros em casa (só pude começar a comprar alguns livros - e com dinheiro emprestado - quando tinha 19 anos), o gosto de ler satisfi-lo nas bibliotecas públicas em Lisboa, na leitura nocturna. Em 1947, tinha eu então 25 anos, publiquei um romance, mas depois pensei que não valia a pena continuar porque achei que não tinha nada de importante para dizer. Só voltei a publicar em 1966, quase 20 anos depois.
Alunos: Qual o livro que mais marcou a sua carreira de escritor?
Saramago: Livros que eu tenha lido? Livros que eu tenha escrito? Dos que li, todos eles me ajudaram a ser o escritor que sou, cada um deles representou o melhor que eu podia fazer nessa altura da vida.
Alunos: Quantos livros escreveu?
Saramago: Escrevi até hoje 26 livros. Espero, se tiver vida e saúde, escrever ainda alguns mais.
Alunos: Qual foi o seu best-seller?
Saramago: Creio que o meu livro mais vendido foi Memorial do Convento, mas o Evangelho Segundo Jesus Cristo vem logo a seguir. Os outros também têm muitos leitores. Graças a isso é que posso viver do que escrevo.
Alunos: Porque que é que não escreve livros para crianças?
Saramago: Não sei escrever para crianças. Quando eu próprio fui criança não me interessavam o que chamamos "histórias infantis", o que queria era saber o que diziam os livros da gente crescida.
Alunos: Sente-se orgulhoso por ter ganho o Prémio Camões de 1995?
Saramago: O que sinto é satisfação por ver que o meu trabalho como escritor tem sido reconhecido eapreciado. O rapazito pobre que nasceu na Azinhaga e andava por lá descalço, de uma família onde quase todos eram analfabetos, conseguiu chegar a ser escritor. Realizar o que desejamos é o mais importante de tudo. O orgulho é um sentimento mau.
Alunos: Porque é que foi viver para a ilha de Lanzarote?
Saramago: Andava à procura de uma casa fora de Lisboa, onde pudesse escrever com mais tranquilidade. Nessa altura (1992) aconteceu o caso da proibição, pelo Governo, do Evangelho (o vosso professor pode contar-vos esta história com mais pormenores, se a sabe), e isso desgostou-me muito, por ver como se podiam cometer actos desses vivendo nós em democracia. Como minha mulher tinha família em Lanzarote, pensamos em fazer aqui uma casa. E foi assim.
Alunos: Orgulha-se de ser da Azinhaga? Porquê?
Saramago: Nós não escolhemos o sítio onde nascemos, portanto não pode haver sentimentos de orgulho motivados por nascer aqui ou ali. Mas é certo que a Azinhaga me deu o que Lisboa não me poderia dar nunca: os campos, os olivais, a lezíria, o Rio Almonda daquele tempo (não o de hoje, que é uma esterqueira), o Tejo e as marachas, os porcos que o meu Jerónimo guardava, os passeios de barco, as manhãs à pesca, os banhos. Lembro-me de quando ainda não havia electricidade e as noites eram negras. E lembro-me do luar como não tornei a ver outro igual. O meu sentimento, portanto, não é de orgulho, mas de felicidade por ter tido uma infância que começou a aprender assim a vida.
Alunos: Com que idade foi para Lisboa?
Saramago: A minha infância foi tranquila, apenas no sentido de eu ter sido sempre uma criança sossegada. Mas a minha família era de gente pobre, e foram as dificuldades económicas que decidiram os meus pais a emigrar para Lisboa, tinha eu então dois anos. Os primeiros anos foram muito difíceis, mudamos muitas vezes de casa ( vivíamos em quartos), e foi só quando eu tinha 7 ou 8 anos que as coisas começaram a melhorar. Mas só começamos a viver em casa própria por altura dos meus 13 ou 14 anos. E a Azinhaga? Todas as férias, grandes ou pequenas, as passei lá, até quando já era adolescente.
Alunos: Em 1975 porque escolheu o titulo "Levantado do Chão"?
Saramago: Esse livro conta a história de uma família de camponeses sem terra, durante três gerações. São alentejanos como podiam ter sido ribatejanos. E se lhe chamei Levantado do Chão foi para mostrar que tudo se levanta da terra, as árvores, as searas; as casas, e também as pessoas quando lutam pela sua dignidade.
Alunos: Com que idade se apaixonou pela literatura?
Saramago: Dizer paixão pela literatura é o mesmo que dizer paixão pela leitura. Ninguém pode ser escritor se não começou por ser leitor. Esta, sim, é a verdadeira paixão. No meu caso, que não tinha livros em casa (só pude começar a comprar alguns livros - e com dinheiro emprestado - quando tinha 19 anos), o gosto de ler satisfi-lo nas bibliotecas públicas em Lisboa, na leitura nocturna. Em 1947, tinha eu então 25 anos, publiquei um romance, mas depois pensei que não valia a pena continuar porque achei que não tinha nada de importante para dizer. Só voltei a publicar em 1966, quase 20 anos depois.
Alunos: Qual o livro que mais marcou a sua carreira de escritor?
Saramago: Livros que eu tenha lido? Livros que eu tenha escrito? Dos que li, todos eles me ajudaram a ser o escritor que sou, cada um deles representou o melhor que eu podia fazer nessa altura da vida.
Alunos: Quantos livros escreveu?
Saramago: Escrevi até hoje 26 livros. Espero, se tiver vida e saúde, escrever ainda alguns mais.
Alunos: Qual foi o seu best-seller?
Saramago: Creio que o meu livro mais vendido foi Memorial do Convento, mas o Evangelho Segundo Jesus Cristo vem logo a seguir. Os outros também têm muitos leitores. Graças a isso é que posso viver do que escrevo.
Alunos: Porque que é que não escreve livros para crianças?
Saramago: Não sei escrever para crianças. Quando eu próprio fui criança não me interessavam o que chamamos "histórias infantis", o que queria era saber o que diziam os livros da gente crescida.
Alunos: Sente-se orgulhoso por ter ganho o Prémio Camões de 1995?
Saramago: O que sinto é satisfação por ver que o meu trabalho como escritor tem sido reconhecido eapreciado. O rapazito pobre que nasceu na Azinhaga e andava por lá descalço, de uma família onde quase todos eram analfabetos, conseguiu chegar a ser escritor. Realizar o que desejamos é o mais importante de tudo. O orgulho é um sentimento mau.
Alunos: Porque é que foi viver para a ilha de Lanzarote?
Saramago: Andava à procura de uma casa fora de Lisboa, onde pudesse escrever com mais tranquilidade. Nessa altura (1992) aconteceu o caso da proibição, pelo Governo, do Evangelho (o vosso professor pode contar-vos esta história com mais pormenores, se a sabe), e isso desgostou-me muito, por ver como se podiam cometer actos desses vivendo nós em democracia. Como minha mulher tinha família em Lanzarote, pensamos em fazer aqui uma casa. E foi assim.
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Carta de José Saramago aos alunos
Lanzarote, 23 de Fevereiro de 1996
Ana Filipa, Mariana, Pedro Miguel,
Foi uma grande surpresa a vossa carta. É muito agradável. É um bom sinal a vossa curiosidade. Procurei corresponder a ela explicando algumas situações particulares do princípio da minha vida para que vocês entendam que nada se consegue sem esforço, e que não são as circunstâncias desfavoráveis que devam fazer-nos desanimar. Nem todos podemos ser escritores, mas todos temos a obrigação de nos cultivarmos. Para isso é preciso estudar, estudar e estudar. Ler muito, aprender com os que mais sabem. Só assim poderemos conhecer verdadeiramente até podem alcançar as nossas capacidades.
Lanzarote, 23 de Fevereiro de 1996
Ana Filipa, Mariana, Pedro Miguel,
Foi uma grande surpresa a vossa carta. É muito agradável. É um bom sinal a vossa curiosidade. Procurei corresponder a ela explicando algumas situações particulares do princípio da minha vida para que vocês entendam que nada se consegue sem esforço, e que não são as circunstâncias desfavoráveis que devam fazer-nos desanimar. Nem todos podemos ser escritores, mas todos temos a obrigação de nos cultivarmos. Para isso é preciso estudar, estudar e estudar. Ler muito, aprender com os que mais sabem. Só assim poderemos conhecer verdadeiramente até podem alcançar as nossas capacidades.
Desejo-vos (e também aos vossos professores e colegas) muita sorte. E bom trabalho.
Um grande abraço para os três.
Um grande abraço para os três.
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